Em discursos de gestão, é frequente encontrar dois argumentos caminhando lado a lado: a suposta queda de produtividade e o desalinhamento cultural. À primeira vista, parecem explicações técnicas e racionais para decisões difíceis. Mas será que resistem a uma análise cuidadosa?
Produtividade: dado neutro ou construção?
Produtividade não nasce no vazio. Depende das metas definidas, dos indicadores escolhidos e das condições que a organização oferece. Quando se afirmar que “colaboradores não foram produtivos”, não seria importante perguntar: as métricas captaram valor real? Os processos favoreceram o desempenho esperado? Talvez, em muitos casos, a “baixa produtividade” reflita mais a incompatibilidade entre o modelo de gestão e a modalidade de trabalho (presencial, remoto ou híbrido) do que uma falha individual.
Alinhamento cultural: filtro de exclusão ou espaço de evolução?
O alinhamento cultural costuma ser invocado como critério de pertencimento: quem não se adapta ao modelo esperado é visto como desalinhado. Mas cultura é estática ou é um sistema vivo de valores, crenças e práticas em constante transformação? Até que ponto “desalinhamento” é um alerta para exclusão — e até que ponto poderia ser um convite para ampliar a diversidade, ajustar práticas e fortalecer a coerência coletiva?
A inconsistência aparente
Quando produtividade e cultura são usadas juntas como justificativa, surge uma tensão:
- Se a questão é produtividade, não seria mais coerente revisar processos, indicadores e sistemas de suporte?
- Se a questão é cultura, não faria sentido refletir sobre a coerência entre valores declarados e práticas adotadas?
Colocar os dois conceitos lado a lado pode soar como narrativa de conveniência: “não entregam o suficiente e, além disso, não são como queremos que sejam”. Mas será mesmo essa a leitura mais fértil? Ou haveria a oportunidade de transformar esses dilemas em fontes de inovação organizacional?
Oportunidade de reflexão
Produtividade e cultura são noções centrais para qualquer organização. O desafio talvez não esteja em usá-las como justificativas, mas em explorá-las como alavancas de desenvolvimento.
- Como desenhar métricas que reflitam valor real e não apenas presença?
- De que forma alinhar cultura sem sufocar diversidade e inovação?
- Que diálogos ainda não foram abertos sobre a coerência entre o que se declara e o que se pratica?
Mais do que obstáculos, esses conceitos podem ser pontos de partida para novas formas de pensar a gestão. O que impede que sejam usados não apenas para legitimar cortes, mas para abrir caminhos de transformação coletiva?